03 de agosto de 2011 • 18h34 • atualizado às 18h36
- Carol Almeida
Gerard Dépardieu em cena de "Mamute"
Foto: Divulgação
Mamute é um filme todo cheio de cuidados, detalhes e mimos. Tudo criado com delicadas mãos de artesão para contar a história de um... ogro. Pois bem, nosso protagonista é aqui um Gérard Depardieu de camisa surrada, sobrepeso exposto, cabelo comprido e mal cuidado, cansado de guerra, carente de amor. Esse animal aparentemente cru é, na lente do filme, um trabalho muito bem lapidado pela dupla Gustave de Kervern e Benoît Delépine, diretores e roteiristas que fizeram de Depardieu uma criatura facilmente reconhecida nas angústias mais cotidianas da vida que levamos em nossos próprios e particulares pântanos.
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Filmado em Super 16 - com algumas cenas em Super 8 - Mamute tem a granulação da pele porosa, aberta nos pequenos erros de vida que, muitas vezes, nos negamos a costurar. Serge Pilardosse (Dépardieu) é esse sujeito cheio de fissuras que vai dar um rewind em sua vida tentando fechar as portas abertas. Somos apresentados a ele em seu último dia de trabalho e primeiro de aposentadoria. Funcionário exemplar de um matadouro de porcos, ele nunca faltou ao serviço, nunca adoeceu, nunca chegou atrasado. De presente, ganha dos colegas uma festa de despedida com refrigerante e salgadinhos. E um quebra-cabeças de duas mil peças.
Casado com uma funcionária de um supermercado local tão fadada ao tédio quanto ele, Serge não receberá sua aposentadoria até que consiga provar ter trabalhado por onde ele já foi funcionário. E isso implica pegar a estrada para revisitar seus antigos "serviços". Sim, este é um road movie guiado por Serge e sua Munch Mammut, motocicleta tão corpulenta quanto seu piloto, testemunha de sua vida e seus amores, sendo um deles a personagem fantasmagórica de Isabelle Adjani e seus arregalados olhos azuis. Aliás, o papel cai como uma luva para a imagem que fazemos hoje de Adjani, atriz que parece ter sido congelada em algum momento do tempo.
Frustrante e, ao mesmo tempo, acalentadora, a viagem de Serge usa figuras de linguagem visuais, algumas propositalmente caricatas, para dar conta dessa fábula sobre o caminho de volta. O excesso ou a ausência de luz em algumas cenas, a reverberação de cada barulho criado, as pausas, e, principalmente, os personagens com quem ele cruza, são todos mensagens sobre quem ele é e, principalmente, para onde ele realmente quer ir.
O prosaico se transforma em extraordinário e, de repente, o ex-açougueiro de porcos vira esse personagem semi-heróico, por quem a compaixão deixa de ser necessária ao longo de sua trajetória e vai aos poucos ganhando status de reconhecimento (os heróis assim o são não porque admirados, mas porque reconhecidos em nós mesmos). E como na imagem da piscina boiando dentro do mar, cena das mais lindas no filme, Serge vai aprendendo que flutuar é preciso, viver não é preciso.
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