Toulousse-Lautrec foi um dos pintores que melhor retratou as mulheres e os bordéis franceses do fi nal do século XIX. Na imagem, uma cena do salão da rue des Moulins, em Paris (1894)
Que a prostituição é
popularmente conhecida como a profissão "mais antiga do mundo", todos
sabem. E, desde que o mundo é dito civilizado, sempre houve prostitutas
pobres e prostitutas de elite. O lado desconhecido dessa história é que a
imagem a respeito delas nem sempre foi a que temos atualmente. As
meretrizes já foram admiradas pela inteligência e cultura, e também já
foram associadas a deusas - manter relações sexuais com elas era
necessário para conseguir poder e respeito. As "mulheres da vida" sempre
tiveram um lugar na História, mas, ao longo dos anos, seu status passou
de respeitável à condenável.
Maria Regina Cândido, professora de graduação e de pós-graduação em
História, e coordenadora do Núcleo de Estudos da Antiguidade (NEA), da
Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), explica que a conotação
de ser ou não bem-vista pela sociedade é um olhar de nosso tempo sobre
as prostitutas.
"Na antiguidade, elas tinham seu lugar social bem
definido. Era uma sociedade que determinava a posição de cada um, que
precisava cumprir bem o seu papel em seu espaço e não migrar de função",
diz Maria Regina.
Lá atrás, no período da pré-história, a mulher era associada à
Grande Deusa, criadora da força da vida, e estava no centro das
atividades sociais, explica Nickie Roberts, no livro As Prostitutas na
História. Com tal poder, ela controlava sua sexualidade. Nessas
sociedades pré-históricas, cultura, religião e sexualidade estavam
interligadas, tendo como fonte a Grande Deusa, conhecida inicialmente
como Inanna e mais tarde como Ishtar. Os homens, ignorantes de seu papel
na procriação, não eram obsessivos pela paternidade. Foi essa
preocupação com a prole que, mais tarde, levou ao surgimento das
sociedades patriarcais, com a submissão da mulher.
Por volta de 3.000 a.C., tribos nômades passaram a criar gado e
tornaram-se conscientes do papel masculino na reprodução. As sociedades
matriarcais da deusa começaram a ser subjugadas. As primeiras
civilizações da era histórica desenvolveram-se na Mesopotâmia e no
Egito, e nasceram desse levante. Novas formas de casamento foram
introduzidas, especificamente destinadas a controlar a sexualidade das
mulheres, afirma a escritora. "Foi nesse momento da história humana, em
torno do segundo milênio a.C., que a instituição da prostituição sagrada
tornouse visível e foi registrada pela primeira vez na escrita",
explica Nickie.
AS PRIMEIRAS PROSTITUTAS DA HISTÓRIA.
As grandes cidades da Mesopotâmia e do Egito continuaram
centralizadas nos templos da Grande Deusa. As sacerdotisas dos templos,
que participavam de rituais sexuais religiosos, ao mesmo tempo mulheres
sagradas e meretrizes, foram as primeiras prostitutas da História, conta
Nickie Roberts. O status dessas mulheres era elevado. Os reis
precisavam buscar a benção da deusa, por meio do sexo ritual com as
sacerdotisas, para legitimar seu poder. "Nessa época, as prostitutas do
mais alto escalão do templo eram, por direito nato, agentes poderosas e
prestigiadas; não eram as meras vítimas oprimidas dos homens, tão
protegidas pelas feministas modernas", escreve Nickie Roberts.
"AS CORTESÃS, nós as temos para o prazer; AS CONCUBINAS, para os cuidados de todos os dias; AS ESPOSAS, para ter uma descendência legítima e uma fiel guardiã do lar."
Na Grécia antiga, as mulheres viviam em um confinamento físico e mental. Mas aquelas que se tornavam meretrizes desfrutavam de liberdade sexual e econômica. O diálogo a seguir, entre a viúva ateniense Crobil e sua filha, a virgem Corina, narrado pelo escritor clássico Luciano de Samósata (125 d.C. - 181 d.C.), mostra que a prostituição era vista como uma maneira de conquistar a independência:
CROBIL: Tudo o que você tem de fazer é sair com os rapazes, beber com eles e dormir com eles por dinheiro.
CORINA: Do jeito que faz Lira, filha de Dafne!
CROBIL: Exatamente!
CORINA: Mas ela é uma prostituta!
CROBIL: Bem, e isso é uma coisa assim tão terrível? Significa que você será rica como ela é, e terá muitos amantes. Por que você está chorando, Corina? Não vê quantos homens vão atrás das prostitutas, e mesmo assim há tantas delas? E como elas ficam ricas! Olhe, eu posso me lembrar de quando Dafne estava na penúria. Agora, olhe a sua classe! Ela tem montes de ouro, roupas maravilhosas e quatro criados.
Fonte: http://leiturasdahistoria.uol.com.br/ESLH/Edicoes/15/artigo119600-1.asp |